Jornais, na mesma edição, apresentam conteúdos contraditórios. Exemplo: pesquisa baseada em aplicação de testes orientará decisões sobre o Covid-19 versus testes do Covid-19 apresentam efetividade duvidosa. “Fazem teste, mas podem não valer? E planejar com base nessa incerteza?” - pondera o leitor.

Procurando coerência, retroage no noticiário, mas só consegue acrescentar outras doses de desinformação ao seu elevado estoque de preocupações. O que ele lê?

Sobre os testes obtém opiniões díspares expostas ao longo dos últimos meses. Eles são extremamente vitais ou totalmente dispensáveis. Posições colidentes defendidas tanto por doutores como por leigos que, vira e mexe, acabam ganhando um espacinho na mídia. “Tem palpites para todo gosto” - conclui.

Leu que depende da época da aplicação, do tipo do teste, da marca do laboratório, da procedência geográfica, da habilidade do aplicador e até da atenção ao registrar no rótulo os dados do testado. “Não é que perderam centenas de tubinhos?” - lembrando que essa ele viu na televisão.

Sobre a matéria da pesquisa, fica sabendo que cada entrevista será acompanhada por um teste feito na mesma ocasião. “O que?” - não acabou de ler que o teste não garante certeza? Está lá no jornal: a entrevista será realizada por um entrevistador que faz pesquisa eleitoral e, pasme!, o teste também. Bate o olho em outro periódico e, alivio!, o teste será aplicado por profissional da área da saúde. E a entrevista por entrevistador.  “Melhor assim, cada profissional no seu galho”.

Será mesmo?  Há tantos profissionais disponíveis? Investiga um pouco mais e, no site de uma universidade, decifra o mistério. Voluntários, com algum tipo de ligação com a saúde, mesmo que estudantes cobrem a lacuna de pessoal. “Resolvido”.

Resolvido? Vai mais fundo nas páginas e fica sabendo que serão realizadas várias ondas de milhares de entrevistas, acompanhadas de testes, no país todo. Mais de cem mil, a maior pesquisa do mundo! Sua imaginação se solta. “Nessas alturas, muito trabalho para muita gente, a ser feito sob a pressão de prazos curtos, pois o vírus não espera”.

Ao longo do dia, a dúvida continua o assombrando. “Não existe risco? Nenhum?”. Indaga-se sobre quem estaria mais exposto. O entrevistador, o enfermeiro, o voluntário, o habitante testado, seus familiares, os seguintes a serem abordados? A desconfiança cresce e a insegurança aumenta noite adentro. ”Vão chegar à minha casa? Espero que a campainha não toque”, torce o alarmado leitor.  Inquieto, vai dormir.

Agitação. O sonho chega. Vira para lá e para cá. Rodopia. E, com ele, todos os outros. Giram e giram. Enfermeiros, entrevistadores, jornalistas, policiais, voluntários, vizinhos, padres e pastores, ongueiros e bombeiros - um mutirão para dar conta da missão: entrevistar e testar dezenas, centenas e milhares. Alternam-se, coletando sangue, descartando agulhas, anotando, etiquetando, trocando tubos, armazenando, lado a lado, na embaralhação de pranchetas, tablets, celulares, máscaras, óculos e luvas, achados e perdidos, novos e usados. Ora confusos, atrapalhados, ora dançando, coreografados - revezam explicando, trazendo esperança para entrevistados de dedos furados e tranquilidade para familiares assustados. O sonho vai terminando, enquanto as trupes vão se retirando, seguindo em frente, a pé, disciplinadas equipes de profissionais, levando suas perigosas bagagens do seu nobre e arriscado trabalho, em direção a outros domicílios sorteados. Acorda alquebrado. “Acho que tive um pesadelo. Ontem fiquei impressionado. Não vou ler mais nada sobre esse bicho”.

Noticiário contraditório confunde leitores.